quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Brincando De Jurado No Carnaval 2012

Caros companheiros na arte de admirar a expressão máxima da cultura popular brasileira (considerada também o maior espetáculo da Terra), pela primeira vez nessa presente existência material, consegui assistir aos dois dias de desfiles oficiais no Grupo Especial do Rio de Janeiro. E o que é melhor: numa boa localização (o setor 4, inaugurado por esses dias). E o que é ainda melhor: muito bem acompanhado. Então, cá estamos para fazer uma breve análise e também um breve julgamento (não necessariamente nessa ordem) sobre aquilo que foi visto/ouvido/sentido nessas duas noites memoráveis.

Renascer de Jacarepaguá. Muito agradável o desfile dessa escola, nem parecendo se tratar de uma estreante no Grupo Especial. O colorido e o traço de muito bom gosto do carnavalesco Édson Pereira no enredo homenageando o artista Romero Britto levaram a Renascer a desempenhar um belo papel, abrindo lindamente os desfiles nesse ano. O ponto forte da escola esteve justamente na parte estética, me levando a crer que esse carnavalesco tem muito a acrescentar nos desfiles do Grupo Especial futuramente. O bonito samba, embora não tenha contagiado a massa, também foi um ponto positivo. Mas cabe colocar que o intérprete Rogerinho Renascer cometeu um deslize grave aos 22 minutos de desfile, quando puxou a palavra "sensibilidade" em momento inoportuno, ignorando a repetição do refrão. A escola também vacilou no quesito evolução (seu último carro passava pelo setor 1 com cerca de 56 minutos no cronômetro, e os componentes aceleraram o passo para que a agremiação não estourasse o tempo-limite condedido em regulamento). Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente, vídeo da bateria.

Portela. Guiada por um chão forte e por um samba altamente funcional, a Portela empolgou a massa ao falar sobre a Bahia. E nesse sentido foi um contraste muito grande com relação ao desfile anterior (também pudera, estamos colocando em sucessão uma estreante no Grupo Especial com a maior campeã no carnaval no Rio de Janeiro). O ponto forte do desfile foi o samba-enredo interpretado por Gilsinho, que, aliado a uma comunidade bastante animada, foi capaz de fazer um saldo positivo na apresentação. Esteticamente, o início do desfile me pareceu melhor do que o final e, embora a escola de Madureira tenha sido a mais premiada pelo júri do "Estandarte De Ouro" (5 nomeações: samba-enredo, intérprete, bateria, passista masculino e passista feminino), não acho que o conjunto da obra portelense vá levar a águia para o desfile das campeãs. Se o andamento do barracão preocupava alguns quanto a um rebaixamento da escola, esse pensamento pode ser afastado: pelo que foi apresentado no domingo, é mais fácil a escola desfilar no sábado das campeãs em 2012 do que no sábado de carnaval em 2013 (embora ache que não vá acontecer nem uma coisa, nem outra). Clique para ver foto do desfile.

Imperatriz. A escola de Ramos fez um desfile recheado de bonitas fantasias (como por exemplo a da bateria), de alegorias interessantes (como por exemplo o belo carro que trazia uma sensacional escultura de uma baiana mexendo a panela com a colher) e apresentou uma impactante comissão de frente. Mas devo confessar que achei o desenvolvimento do enredo sobre Jorge Amado aquém. Não aquém de uma escola concorrente, mas aquém das próprias capacidades do ótimo carnavalesco que é o Max Lopes. Em alguns momentos, sequer reconheci o "Mago das Cores" pela sucessão cromática das alas - embora, no conjunto, ainda tenha sido um belo desfile. Problemas com pelo menos dois carros alegóricos deverão sacramentar a ausência da Imperatriz no desfile das campeãs. E eu já tenho dúvidas de se Max durará muito tempo mais nessa agremiação. Clique para ver foto do desfile.

Mocidade. Nesse momento o blogueiro torna-se (mais) suspeito para falar. Foi a primeira vez que assisti a um desfile da Mocidade de corpo presente na Sapucaí e a emoção tomou conta desde antes mesmo do cronômetro ser iniciado. E a Mocidade, tão capenga nos últimos anos, fez uma linda apresentação nesse ano de 2012. A homenagem a Portinari ratificou o talento de Alexandre Louzada, que trouxe um conjunto alegórico dos mais belos da noite, mostrando bom gosto na concepção e fácil leitura para os espectadores. A performance da bateria foi um espetáculo marcante, para coroar uma apresentação de alto nível da escola de Padre Miguel. O orçamento inferior ao das demais escolas (diz-se que foi o menor nesse ano) foi compensado pela força da comunidade, pela beleza artística do desfile e pelo bonito samba-enredo da escola. Se vai voltar no sábado é outra história - penso que não voltará, infelizmente -, mas o independente deve se lembrar de 2012 como um grande ano para escola, no que foi talvez o melhor desfile da estrela-guia desde a saída de Renato Lage. Clique para ver foto do desfile, foto do carro abre-alas, foto da bateria, vídeo da comissão de frente, vídeo da bateria, vídeo do 5º carro alegórico ("Êxodo Sertanejo").

Porto da Pedra. O patrocínio vindo de uma empresa que enriquece comercializando laticínios trouxe ônus e bônus para a agremiação de São Gonçalo. Se por um lado parece ter entrado bastante dinheiro na escola (haja visto a monumentalidade de determinadas alegorias e o uso de tecnologias em diferentes pontos do desfile), por outro o desenvolvimento de um enredo onde o samba diz coisas como "iogurte é leite, tem saúde e muito mais" foi um negócio complicado. Plasticamente, o resultado foi até satisfatório. Mas temo, ou melhor, torço para que a Porto da Pedra caia para o Grupo de Acesso. Acho que fará bem a escola, que pensará como mais critério da próxima vez que um investimento pomposo bater a porta. E fará bem também para o samba em geral, já que esse daí destoou da safra atual. Clique para ver foto do desfile.

Beija-Flor. Rica, exuberante, com um visual impactante. Patrocinada pelo governo do estado do Maranhão, a escola nilopolitana homenageou a capital São Luís com um desfile emocionante. Alegorias que retratavam os infortúnios passados na "escravidão negra" e a homenagem a Joãosinho Trinta no último carro alegórico foram de arrancar lágrimas. Mas não consigo admitir que São Luís do Maranhão se limite a escravismo, reggae e Joãosinho, conforme parece ter sugerido a escola. O uso de monstros na Beija-Flor voltou a marcar presença com força e foi visto com tamanha intensidade que fica difícil imaginar que alguém possa se atrair por um dia visitar a capital maranhense após assistir essa apresentação. Ano passado, a Unidos da Tijuca foi penalizada no quesito enredo. Creio que o mesmo possa - e deva - ser feito com a Beija-Flor nesse ano: o desfile da agremiação de Laíla e companhia mais parecia com "Essa Noite Levarei Sua Alma" do que qualquer outra coisa. Tudo indica que brigará pelo título, mas, na leitura de quem viu uma escola cuja comissão de frente passou por todo um setor sem fazer qualquer coreografia, não é merecedora nem de voltar no sábado. Clique para ver foto do desfile.

Vila Isabel. O melhor desfile da noite. Talvez o melhor desfile do ano. A Vila Isabel incorporou mais uma vez Kizomba e apresentou Angola com um vigor e uma autoridade narrativa dignas de campeonato. Rosa Magalhães deu um show na concepção das fantasias e foi muito correta no traço das alegorias. A comissão de frente representando a savana africana foi simplesmente sensacional, tendo sido possivelmente o fato mais marcante no Grupo Especial 2012. Vencedora de seis Estandartes de Ouro (escola, mestre-sala, porta-bandeira, enredo, baianas e personalidade com Rosa Magalhães), a Vila é favorita ao título. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente, vídeo da bateria.

São Clemente. O samba de ritmo acelerado interpretado por Igor Sorriso funcionou plenamente na avenida e embalou a escola numa apresentação bastante correta. Será difícil cravar se a São Clemente conseguirá escapar do descenso, mas a boa estética do carnavalesco Fábio Ricardo e a fácil leitura do enredo são dois fatores que podem pesar a favor da agremiação de maneira decisiva na empreitada de saborear por mais tempo um lugar no Grupo Especial. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente.

União da Ilha. Não era um samba tão fácil de cantar quanto o "bububu no bobobó" que o antecedeu. Nem de uma melodia tão atraente quanto o que viria a sucedê-lo. Mas a riqueza contida no enredo, a inteligente maneira de narrar a temática escolhida, o bom gosto para a elaboração de alegorias e fantasias e a sensacional comissão de frente (vencedora do prêmio "Estandarte De Ouro" foram ingredientes que compuseram um excelente desfile por parte da União da Ilha do Governador. O problema presente no último carro foi talvez o grande lamento do Grupo Especial esse ano, sobretudo levando-se em consideração a maravilha que era cada alegoria anterior àquela derradeira. De toda forma, a Ilha passou muito bem e fica a torcida para que possamos ver a chama olímpica acesa no sábado das campeãs. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente.

Salgueiro. Depois de assistir um desfile desenhado por Alex de Souza, que tal acompanhar um de autoria de Renato Lage? Presente dos deuses do samba essa seqüência de tão alto nível. E o Salgueiro veio belíssimo, como não poderia deixar de ser: o samba interpretado pelo ótimo Quinho sacudiu, a bateria conduzida por Mestre Marcão levantou e a agremiação passou a mensagem do "Cordel Branco E Encarnado" lindamente. No meio de tantos pontos positivos, onde era difícil eleger uma alegoria mais bonita em meio a tantas obras de arte, cabe colocar um porém: a escola teve dificuldades na entrada de pelo menos dois carros alegóricos e deixou um clarão nos primeiros metros de Sapucaí, restando saber se o jurado de evolução presente no primeiro módulo identificou a falha. Ano passado o gigantismo salgueirense também complicou a evolução da escola, só que dessa vez o dano foi, felizmente, muito menor que o visto naquela oportunidade. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente.

Mangueira. A Estação Primeira vestiu a camisa do Cacique de Ramos e incorporou o bloco festejado pela Verde-e-Rosa. A desenvoltura dos componentes, a leveza do desfile, a intensidade da interação com o público e a fluidez do samba fizeram mais parecer que na avenida passava um grande bloco do que exatamente uma escola de samba. E a Mangueira contagiou, emocionou, tocou. Só que ficou devendo na parte estética, vítima do gosto duvidoso do carnavalesco Cid Carvalho e talvez de alguma restrição orçamentária, embora o presidente Ivo Meirelles tenha exaltado algumas corporações instantes antes do início do desfile, fazendo uma propaganda pra lá de deselegante. A bateria de Mestre Aílton voltou a mostrar a sua marca e marcou época com outra performance ousada, com os ritmistas ficando por mais de dois minutos sem tocar seus instrumentos. Vamos ver para que lado essa balança de pontos altos e baixos vai pesar - pelo aspecto emocional, a Mangueira seria muito bem-vinda ao desfile das campeãs. Pelo lado puramente estético, é candidata ao rebaixamento. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente, vídeo da bateria.

Unidos da Tijuca. Da comissão de frente novamente surpreendente e impactante ao último carro, Paulo Barros voltou a trazer para o sambódromo um desfile recheado de sacadas geniais. Pode não ter sido o seu carnaval mais inspirado (particularmente achei que faltou um "algo mais" naquilo que tange as alas, embora sem compromenter a mensagem do enredo), mas sem dúvidas a Tijuca, mais uma vez, deu um espetáculo ímpar na Sapucaí. O carro alegórico homenageando Mestre Vitalino foi o ponto alto do desfile. Acho que a apresentação teria sido ainda melhor se a Tijuca desfilasse após uma escola menos "explosiva" que a Mangueira, pois houve um contraste nítido entre os dois sambas e as duas baterias. De toda forma, o trabalho foi bem realizado e os gritos de campeão ouvidos no setor 4 soaram bem. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente, vídeo do 3º carro alegórico ("Do Barro, Se Fez A Vida"), vídeo do 6º carro alegórico ("Festas Juninas"), vídeo do 7º carro alegórico ("Festa Da Coroação"), vídeo da saudação do público presente no setor 4.

Grande Rio. Não sei se a Grande Rio conseguiu superar os desfiles de Vila Isabel e Unidos da Tijuca, mas quer saber? Não importa. A história contada pela escola foi realmente de emocionar, fechando com chave-de-ouro os desfiles pelo Grupo Especial. Alegorias como a "Superação Sobre Rodas" e alas como a "Lembrando Gabrielle Andersen: Maratonistas" foram de levar às lágrimas. A mensagem foi passada com as boas soluções artísticas de Cahê Rodrigues, o gogó de Wantuir e a bateria de Mestre Ciça, levando a crer que a Grande Rio não somente volte a desfilar no sábado das campeãs, como também pode mostrar que chegou a sua hora de faturar o carnaval. Mas, depois de tudo o que foi mostrado, isso não importa. Importa é a beleza da mensagem que foi transmitida, renovando o sentimento de esperança. Clique para ver foto do desfile, vídeo da comissão de frente, vídeo da bateria, vídeo do 4º carro alegórico ("Superação Sobre Rodas").

Classificação (sem dar notas, mas basicamente pelo gosto de assistir o desfile)

Vila Isabel
Unidos da Tijuca
Grande Rio
União da Ilha
Salgueiro
Mocidade
Renascer de Jacarepaguá
Beija-Flor
Mangueira
São Clemente
Imperatriz
Portela
Porto da Pedra

Pitaco: Beija-Flor, Vila Isabel, Unidos da Tijuca e Grande Rio disputam o título. Salgueiro retorna no sábado. Outra vaga no desfile das campeãs fica entre Ilha, Mangueira, Mocidade e Portela. Caem Renascer e Porto da Pedra.

(Nos pitacos feitos ano passado, até que cheguei perto).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Luz Do Bhagavata - Verso 19

O grou posta-se à margem de um lago, que é sempre perturbado pela correnteza, pela lama e pelas pedras. O grou é como o chefe de família que é importunado no recesso de seu lar, mas que, devido ao apego excessivo, não deseja mudar de posição.

A vida esquecida da alma condicionada no seio da família é um escuro poço matador da alma. É esta a opinião de Sri Prahlada Maharaja, um célebre devoto do Senhor. Almas auto-realizadas jamais estimulam o apego excessivo ao lar e à família. Portanto, o período de vida humana deve ser dividido metodicamente.

A primeira fase chama-se brahmacarya-asrama, ou a ordem de vida da infância, onde o estudante é treinado para lograr a meta última da vida. A fase seguinte é o grhastha-asrama, no qual o homem é treinado para entrar na Transcendência. A seguir vem o vanaprastha-asrama, a fase preliminar da vida renunciada. A última fase recomendada é a ordem de sannyasa, ou a ordem de vida renunciada. Dessa maneira a pessoa aceita um processo gradual de atividades espirituais para lograr a meta última da liberação.

Infelizmente, em virtude da carência de suficiente cultura espiritual, ninguém deseja abandonar a vida familiar, muito embora ela seja cheia de aguilhoadas e lama. E aqueles que são muito apegados, a despeito das aguilhoadas da vida familiar lamacenta, assemelham-se aos grous que postam-se à margem do rio em troca de algum gozo dos sentidos apesar de todas as inconveniências lá existentes. Devemos sempre lembrar que a sociedade, amor e amizade que esperamos desfrutar na vida familiar são apenas representações sombrias da verdadeira sociedade, amor e amizade reciprocados no reino de Deus. Não existe realidade na vida condicionada da existência material, porém, devido à nossa ignorância estamos apegados à miragem. A concepção de sociedade, amor e amizade não é de modo algum falsa, mas o lugar onde a procuramos é falso. Temos de abandonar esta posição falsa e elevarmo-nos à realidade. Esse deve ser o objetivo da vida, e esse é o resultado de se cultivar o espírito humano.

Lamentavelmente, devido à falta dessa cultura, o homem materialista permanece agarrado a este falso lugar a despeito de todas as conturbações. Diz-se que o homem deve abandonar a ordem de vida familiar aos cinqüenta anos. Mas nesta era de ignorância mesmo um homem idoso deseja rejuvenescer nas funções corpóreas, colocar dentes artificiais e agir como se fosse um jovem, mesmo à beira da morte. Sobretudo os políticos, semelhantes a grous, são excessivamente apegados ao falso prestígio decorrente de sua posição e classe, e assim sempre buscam ser reeleitos, mesmo no decadente fim da vida. Estes são alguns sintomas de uma vida inculta.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Análise Dos Sambas-Enredo Do Carnaval 2012 - Grupo Especial, Rio De Janeiro

A exemplo daquilo que aqui fizemos no ano passado, cá estamos para dar alguns pitacos sobre os sambas-enredo das agremiações que figuram no Grupo Especial do Rio de Janeiro. 2012 marca o início de uma Era no sambódromo onde teremos a inauguração de alguns novos setores (uma antiga fábrica foi demolida, possibilitando uma ampliação no número de espectadores). O blogueiro, empolgado que só, conseguiu adquirir ingressos para os desfiles de domingo e de segunda-feira. Setor 4, estamos chegando!

Nessa postagem, teremos alguns vídeos incorporados. Todos eles filmados por este que vos digita, capturados em diversos ensaios realizados nas últimas semanas. 

Abraços e ótimo carnaval a todos.

Escola: Beija-Flor
Enredo: São Luís: O Poema Encantado do Maranhão
Trecho: Tem magia em cada palmeira que brota em seu chão
Análise: Não é que o produto final tenha ficado bom ou ruim, a questão é que ficou repetitivo. Dá a impressão de que teremos pela frente mais um desfile nilopolitano nos moldes "macumba amazônica", bastante visto nas últimas décadas. Não fosse o grande talento de Neguinho, diria que o samba chega a ser fraco. Mas fraco é palavra proibida quando esse intérprete está ao microfone. Pode ser que funcione bem na avenida? Sim, claro. Mas, a julgar pura e simplesmente pela composição, diria que esse samba não desfilaria no sábado das campeãs.

Escola: Unidos da Tijuca
Enredo: O Dia em que Toda a Realeza Desembarcou na Avenida para Coroar o Rei Luiz do Sertão
Trecho: Numa serenata feliz vou cantar / No meu Pé de Serra festejo ao luar
Análise: A homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga já carrega por si só um forte apelo emotivo. E a letra do samba tijucano consegue aumentar esse aspecto emocional, com versos muito bonitos que exaltam a "cultura nordestina". Percebi uma grande evolução no rendimento do samba do estúdio para a avenida - aliás, o canto da comunidade tijucana foi impressionante no ensaio técnico que presenciei. A escola do Borel tem tudo para, aliada ao talento de Paulo Barros e à garra de seus componentes, protagonizar um desfile inesquecível.

Escola: Mangueira
Enredo: “Vou Festejar! Sou Cacique, Sou Mangueira
Trecho: Não dá pra conter tamanha emoção / Cacique e Mangueira num só coração
Análise: São tantos versos belos e melodiosos que fica até difícil de ver por onde começar a elogiar a letra. Porém, sinto que ficou faltando algo no samba da Mangueira. Não sei se é muita exigência de minha parte (até porque ano passado achei a homenagem a Nélson Cavaquinho uma composição simplesmente maravilhosa), mas o fato é que tem algo na atual obra que "não encaixou". Particularmente, achei péssima a passagem "Sou imortal e vou viver / Agonizar não é morrer". Enfim, como a safra desse ano é muito boa, no meu entender o samba da Mangueira não aparece entre os melhores de 2012. Mas guardo boas expectativas para o canto da escola no desfile oficial, sobretudo levando-se em consideração a abusada (na melhor acepção do termo) performance da bateria Surdo Um.

Escola: Vila Isabel
Enredo: Você semba lá... Que eu sambo cá! O canto livre de Angola
Trecho: Nesse cortejo (a herança verdadeira) / A nossa Vila (agradece com carinho) / Viva o povo de Angola e o negro rei Martinho
Análise: É o samba do ano. A homenagem a Angola é permeada por uma sensibilidade ímpar na descrição do enredo, com uma melodia muito bem conduzida pelo intérprete Tinga (e olha que eu sinceramente acho que essa letra pedia por alguém de estilo mais "suingado", tipo o Preto Jóia, mas Tinga saiu-se muito bem). Se por um lado penso que o samba careça de um refrão forte, por outro reconheço que em todos os ensaios que acompanhei da agremiação - e acredite, não foram poucos! - o canto da comunidade foi uma coisa contagiante. A Vila vem que vem em 2012, a Sapucaí vai ficar pequena para receber Angola.

Escola: Salgueiro
Enredo: Cordel Branco e Encarnado”
Trecho: Salgueiro, teus trovadores são poetas da canção / Traz sua côrte, é dia de coroação / Não se "avexe" não
Análise: Excelente samba. Os versos passam a temática de uma forma leve e poética, brincando com alguns vícios de linguagem típicos do nordeste brasileiro e contando com uma melodia inflamada, sobretudo nos dois refrões (seguramente, os dois refrões deste samba estão entre os mais fortes do ano). O Salgueiro tem todos os ingredientes para fazer uma apresentação memorável - o samba interpretado por Quinho já cumpriu o seu papel, e no dia do desfile oficial seremos agraciados com o bom gosto de Renato Lage.

Escola: Imperatriz
Enredo: Jorge, Amado Jorge”
Trecho: Ao mestre escritor, um canto de amor / Jorge Amado, saravá!
Análise: É sempre bom ouvir um samba na voz de Dominguinhos do Estácio, e esse da Imperatriz Leopoldinense não é diferente. Uma melodia que segue uma linha de referência e que parece muito bem amarrada do primeiro ao último verso. Versos esses que são relativamente curtos, ao meu ver curtos até demais, economizando na capacidade de passar informação sobre o enredo. Ainda mais por se tratar de uma escola que tem Max Lopes como carnavalesco, fica a sensação de que a agremiação vai apresentar muito mais do que o samba se propõe a defender.

Escola: Mocidade
Enredo: “Por Ti, Portinari, Rompendo a Tela, a Realidade”
Trecho: Quero te ver qual menino feliz / Planta a semente do sonho em verde matiz
Análise: Vejo este samba como um dos melhores do ano. Verso a verso, percebe-se que a vida e a obra de Cândido Portinari são narradas de uma forma que consegue a proeza de ser didática e poética simultaneamente. Havia ouvido a obra na interpretação do ótimo Wander Pires e digo com todas as letras que a voz de Luizinho Andanças caiu como uma luva nesse samba, dando um aspecto de algo clássico, como de certo modo o enredo sugere. Quem de alguma forma tiver alguma familiaridade com a obra de Portinari, certamente irá se emocionar ao ouvir a Mocidade Independente de Padre Miguel. Falo por experiência própria.

Escola: Porto da Pedra
Enredo: “Da Seiva Materna ao Equilíbrio da Vida”
Trecho: Vem no ritmo do Tigre de São Gonçalo / Alimenta seu povo apaixonado
Análise: De longe, o pior samba do ano. Patrocinado por uma empresa que maximiza seus lucros vendendo laticínios, a Porto da Pedra se prestou a fazer um enredo sob essa temática. Não que necessariamente levasse a um fiasco, mas a julgar pela composição da escola, estamos falando de uma forte candidata ao rebaixamento. Foi até difícil escolher um trecho do samba para figurar nessa postagem, restando saber se a grana injetada nessa dita "seiva materna" poderá salvar o tigre do Grupo de Acesso em 2013. Onde é que o Wander Pires foi se meter...

Escola: São Clemente
Enredo: “Uma Aventura Musical na Sapucaí”
Trecho: Se o samba empolgou, virou carnaval / Nossa aventura musical
Análise: Pode não ser a mais bonita, pode não ser a de melhor narrativa, pode não ser nada, mas o desenho do samba-enredo da São Clemente é de uma originalidade exaltável, principalmente em meio a tanto "lugar-comum" que vemos composições à fora. Nesse caso, diferentemente de quando falei da Imperatriz, considero que os versos curtos e diretos são altamente funcionais, dando coesão a uma obra que ficou livre, leve e solta. Poderá não ser o melhor desfile, o mais bonito, mas a São Clemente deverá levantar a Sapucaí com a sua simpática proposta de carnaval. Já conquistou meu coração.

Escola: Grande Rio
Enredo: “Eu Acredito em Você! E Você?”
Trecho: E abro o meu coração, cantando a minha emoção / Superação é o carnaval da Grande Rio
Análise: Melhor escola para fechar o carnaval 2012 do que a Grande Rio, não há. Depois de tudo que a agremiação caxiense passou em 2011, o desenvolvimento de um enredo falando de superação foi algo para entrar na história dos desfiles. Sem entrar no mérito da parte estética (que por sinal está em ótimas mãos nos cuidados de Cahê Rodrigues), a Tricolor da Baixada traz um samba gostoso de se cantar, com versos simples, de fácil entendimento. Somando esses ítens ao forte apelo do enredo - que tem tudo a ver com o passado recente da escola - e com a voz inigualável de Wantuir, fica a promessa de um desfile pra lá de especial na Sapucaí.

Escola: Portela
Enredo: “E o Povo Cantando na Rua é Feito Uma Reza, Um Ritual...
Trecho: Rola o toque de Olodum... lá na Ribeira / A Bahia me chamou
Análise: É o melhor samba da Portela nos últimos tempos. A correta interpretação de Gilsinho fortalece uma composição que já nasceu com ares de épica, onde cada verso parece encaixado naquele que o sucede e o andamento melódico segue uma rara beleza. É difícil mensurar o que será o desfile portelense, até porque a agremiação vem encontrando dificuldades de fazer uma apresentação à altura de sua tradição. Mas, sem querer bancar o vidente de plantão, boto fé que este samba será cantado em muitos outros carnaváis.

Escola: União da Ilha
Enredo: “De Londres ao Rio: Era Uma Vez... Uma Ilha”
Trecho: Vou botar molho inglês na feijoada / Misturar chá com cachaça
Análise: Costumo dizer que é perigoso fazer um enredo que enfoque eventos esportivos. No carnaval carioca, esse tipo de temática não costuma render bons frutos. Mas, a União da Ilha traz um samba interessante, diria até inteligente. Os versos denotam que há um trabalho de pesquisa sério feito pela Tricolor Insulana, e a voz de Ito Melodia é marcante na agremiação. Para o molho não azedar e o chá não esfriar, a Ilha tem o ótimo Alex de Souza para conduzir a parte estética. Diria que estamos diante de uma forte candidata a contrariar aquele cenário negativo de enredos dessa natureza. Aliás, tudo leva a crer que as Olimpíadas não serão necessariamente o fato principal no carnaval da escola - o que acho melhor para Londres, para o Rio e para o desfile da Ilha. Deve vir algo bacana por aí.

Escola: Renascer de Jacarepaguá
Enredo: Romero Britto: O Artista da Alegria Dá o Tom da Folia”
Trecho: Há tantos meninos assim / Querendo um sonho / Na liberdade das cores sem fim
Análise: Está aí um samba simpático e funcional. Creio que muitos não conheçam o artista Romero Britto, algo que aumenta a validade de torná-lo enredo - e isso é ponto positivo para a escola. Outro aspecto que vale exaltar é a qualidade das rimas. Sim, a qualidade. Os últimos cinco versos da estrofe que antecede o refrão principal configuram uma das passagens mais bonitas de todas as composições do Grupo Especial. Destacam-se também os três versos que antecedem o outro refrão, quando a letra coloca "o inverso" e, pouco depois, "universo", fazendo um desenho melódico pra lá de interessante. É difícil a missão da Renascer de Jacarepaguá, recém-promovida, se manter no Grupo Especial num ano onde duas são rebaixadas. Mas sinto que a escola saberá deixar o seu recado.