segunda-feira, 26 de março de 2012

Luz Do Bhagavata - Verso 21

O vento carrega as nuvens para diferentes partes do globo, e as nuvens distribuem chuvas, para a satisfação das pessoas em geral, assim como os reis e os mercadores ricos distribuem sua riqueza acumulada, inspirados pelos sacerdotes.

Como já explicado, as quatro classes da sociedade - isto é, a classe de homens inteligentes (os brahmanas), a classe governante (os ksatriyas), a classe mercantil (os vaisyas) e a classe dos trabalhadores braçais (os sudras) - destinam-se a alcançar um objetivo na vida: auto-realização, ou seja, o cultivo do espírito humano. A classe de homens inteligentes, os brahmanas, deve estimular os ksatriyas e os vaisyas a executar sacrifícios em prol do cultivo espiritual, e assim a cooperação dos brahmanas, ksatriyas e vaisyas elevará as pessoas em geral, ou a classe dos trabalhadores comuns. Tão logo esta cooperação entre as quatro classes de homens na sociedade é interrompida e os princípios básicos da cultura espiritual são negligenciados, a estrutura social da humanidade torna-se uma reedição da vida animal, baseada nas propensões a comer, dormir, temer e acasalar-se. É dever dos homens inteligentes induzir os membros de comunidades mais ricas - os ksatriyas e os vaisyas - a fazer sacrifícios conducentes ao cultivo espiritual. Só desta maneira poderá a tensão entre os capitalistas e os operários ser devidamente mitigada.

Nesta era de Kali, quando uma mera diferença de opinião conduz à discórdia, chegando a ponto de causar motins, é dever dos homens inteligentes, os brahmanas, estimular altruistamente as pessoas mais ricas a fazer sacrifícios para este propósito. Sugere-se com isso que os próprios homens da classe inteligente não devem tentar tornar-se ksatriyas ou vaisyas, nem devem imiscuir-se nas ocupações das outras classes; em vez disso, os brahmanas devem apenas guiá-las no cultivo espiritual, assim como o vento transporta as nuvens para outros lugares para derramarem água. O vento por si mesmo não assume a responsabilidade de derramar a água. 
Os homens mais inteligentes da sociedade são os santos e os sábios que sacrificaram tudo a serviço do cultivo espiritual. Sempre prontos a sacrificar suas palavras, dinheiro, inteligência e vida, seu dever é viajar por toda a parte e estimular todos os seres humanos a se ocuparem em atividades conducentes ao cultivo espiritual. Esse deve ser o objetivo da vida humana a fim de fazer dela um êxito completo. Uma sociedade que não tem gosto pelo cultivo espiritual é como um incêndio ardente, onde todos sofrem perpetuamente as três classes de misérias. Assim como as nuvens derramam água sobre um incêndio ardente na floresta e assim o extinguem, os homens inteligentes, que agem como mestres espirituais da sociedade, derramam água no incêndio ardente das misérias, ao disseminar o conhecimento espiritual e estimular as classes mais ricas da sociedade a ajudar esta causa. Templos de adoração, por exemplo, são construídos pelos ricos, e esses templos visam dar educação espiritual às pessoas em geral. Cerimônias espirituais periódicas são realizadas para dar inspiração, e não para explorar. Se existem falhas agora, devido à era de Kali, elas deverão ser retificadas, mas a instituição tem que ser salva.

domingo, 25 de março de 2012

Sobre O Jejum

Muitos afirmam que há maior credibilidade no discurso de uma pessoa que tenha vivenciado aquilo que esteja abordando. Concordo, mas não acho que a experiência seja requisito obrigatório para se analisar o que quer que seja. Por exemplo: é necessário que um comentarista esportivo seja um craque na modalidade por ele analisada? É necessário que um indivíduo tenha se tornado um viciado em entorpecentes para afirmar que o consumo de drogas é degradante ao usuário? Provavelmente, você respondeu "não" para ambas as indagações.

De toda forma, devemos reconhecer que há maior impacto quando vemos que quem está falando, de alguma forma, tem alguma ligação com aquilo que é dito (ligação esta que é reforçada pela experiência, mas que não se limita a ela). E o tema que tratamos aqui é o jejum. Tema esse que iremos observar do ponto de vista teórico e, com a ajuda da experiência deste que vos digita, também do ponto de vista prático. O que seria o jejum? Por que fazê-lo? Como fazê-lo? Quando fazê-lo?

O que é o jejum

Numa definição bem básica (disponível na Wikipédia), o jejum consiste na opção do indivíduo em reduzir ou até mesmo eliminar a ingestão de alimentos, geralmente por um período de tempo pré-determinado. Particularmente, acho essa definição um pouco problemática, pois acho que reduzir o consumo alimentício está mais para "dieta" do que para jejum. No meu entendimento, jejuar é cessar o consumo por completo.

Analogamente, a noção de jejum é freqüentemente utilizada no jornalismo esportivo: "time está num jejum de vitórias há sete rodadas no campeonato". Isso indica que o time ganhou poucas vezes nas últimas sete rodadas ou que simplesmente não somou nenhuma vitória nesse período? Se você pensou na segunda opção, é sinal que pensa de modo semelhante a mim. Portanto, jejum seria o zero de consumo. 


Motivos para jejuar

São diversas as razões que levam alguém a praticar o jejum. Entre elas, me identifico com algumas e vejo outras como repugnantes. Por exemplo, há pessoas que optam por jejuar motivadas meramente pela vaidade (geralmente estética, isto é, buscando "melhorias" na aparência física). Se você entrou nesse tópico com essa motivação, direito seu, mas o foco aqui não é esse. De toda forma, sugiro que continue a leitura.

A busca que me parece a mais usual na prática do jejum é a de ordem espiritual. Escrituras sagradas abordam o jejum apontando para uma transcendentalidade, motivando os adeptos a reservarem dias na semana, no mês ou no ano para essa atividade. Coincidentemente - ou não - estamos nesse exato momento num período no calendário cristão que remete ao histórico jejum de Jesus no deserto, por quarenta dias consecutivos (a Quaresma). Não que os religiosos jejuem como Jesus, muito pelo contrário, o que vemos nas festas das igrejas ao longo do ano mais se assemelham a um incentivo a comilança do que a prática do jejum. Certamente, Jesus não seria um adepto dessas insituições religiosas que o carregam como símbolo e referência.
Ilustração remetendo ao Mestre Jesus de Nazaré, meditativo no deserto: quarenta dias de jejum não é para qualquer um.

De toda forma, retornemos ao jejum como prática espiritual. A idéia de jejuar gira em torno de causar aflição ao corpo, dando, assim, prioridade para a alma. Os judeus, que no Yom Kippur (Dia Do Perdão) ficam por 25 horas em jejum e em oração, têm uma interessante analogia sobre essa relação: o cavalo seria o corpo, e o cavaleiro seria a alma - é sempre melhor o cavaleiro estar acima do cavalo. Quer dizer, particularmente acho que o melhor é que humano e cavalo sigam seus caminhos sem que um explore o outro, em harmonia plena, sem qualquer relação hierárquica. Mas a analogia ajuda a entender a essência do jejum para os judeus.

Mahatma Gandhi, hindu que o filósofo Huberto Rohden classificou como "o maior cristão do século XX", praticou cerca de dezessete jejuns ao longo da vida. Suas motivações eram de ordem espiritual, sem dúvidas, mas com forte conotação político-social. Afinal, mostrar solidariedade com os oprimidos e reivindicar a libertação destes é, fundamentalmente, um ato espiritual.
 "Seja a mudança que você quer ver no mundo", frase de Mahatma Gandhi, que deu ao mundo um exemplo experienciado através de seus próprios atos.

Como jejuar

Acho que não precisa de uma explicação pormenorizada. Bastaria não consumir alimentos e o jejum estaria automaticamente em curso. Mas isso quer dizer que, dormindo, estamos em jejum? Sim e não. Sim, porque nesse período não há a ingestão de alimentos. Não, porque não se trata de um movimento consciente.

Se eu pudesse dar somente dois conselhos a quem pretende praticar o jejum, seriam esses: [1] busque uma motivação nobre para isso e [2] esteja consciente durante o processo, perceba o seu corpo, vigie seus pensamentos e contemple o quão maravilhoso é o auto-conhecimento. Em última análise, a vigilância completa dos pensamentos, palavras e ações é a meditação.

Quando jejuar

Se você chegou até esse ponto no texto, sinal de que as coisas parecem ter caminhado bem. Nas mais variadas religiões, o jejum tem recomendações de acordo com o calendário. Particularmente, não acho que seja necessário seguir uma data rígida - se você sentir que o momento para jejuar e buscar um auto-conhecimento através de uma experiência dessa natureza é o próximo sábado, então prepare-se e faça no próximo sábado, independentemente de que dia seja o próximo sábado. Alguns ativistas jejuam de acordo com o momento político em curso, como por exemplo jejuar em frente a uma sede governamental em protesto contra alguma medida considerada prejudicial para a coletividade - e isso não tem uma data rígida.

Venho jejuando sistematicamente desde 2007 ou 2008 (não recordo exatamente), buscando uma maior percepção dos meus processos internos, bem como diminuir a minha "pegada ecológica", optando geralmente pelo último domingo de cada mês para realizar a prática - sendo essa escolha muito mais uma questão disciplinar para comigo mesmo do que qualquer outra coisa. Às vezes, tenho ciência prévia de que terei algum compromisso no dia que seria o do jejum, e no caso de entender que o compromisso possa afetar a "eficiência" do jejum, constumo antecipar a data (mas isso é bem raro de ocorrer). Ano passado (2011), por exemplo, o último domingo de dezembro foi o Natal de Jesus Cristo. Uma data maravilhosa para jejuar, a qual tive o prazer de manter para o dia 25 de dezembro (até porque abomino essa cultura ocidental de achar que comer animais na ceia seja um ato religioso). Hoje, não por acaso, é o último domingo do mês de março. E cá estou, em jejum há cerca de quinze horas, tentando compartilhar um pouco dessa experiência. E que venham as próximas nove!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Luz Do Bhagavata - Verso 20

Torrentes violentas de chuva investem contra as margens do rio e as barragens do campo de arroz. Esses distúrbios assemelham-se àqueles criados pelos oponentes sazonais dos princípios modelares dos Vedas, oponentes estes que estão influenciados pela era de Kali.

Originalmente o caminho da auto-realização foi estabelecido pelas instruções básicas dos Vedas. Srila Vyasadeva dividiu o Veda original em quatro seções, isto é, Sama, Atharva, Rg e Yajur. Em seguida dividiu os mesmos Vedas em dezoito Puranas (suplementos) e o Mahabharata, e mais tarde o mesmo autor resumiu-os nos Vedanta-Sutras. O propósito de todas essas escrituras védicas é levar a pessoa a compreender que ela é um ser espiritual, eternamente relacionado com a Suprema Personalidade de Deus, a forma todo-atrativa (Sri Krsna).

Porém, todas essas diferentes escrituras védicas foram sistematicamente deformadas pelas investidas da era de Kali, assim como as barragens do campo de arroz e as margens do rio são deformadas pelas investidas de chuvas violentas. Esses ataques deturpadores são perpetrados por filósofos ateístas que estão preocupados apenas em comer, beber, divertir-se e desfrutar. Esses ateístas são todos contra as escrituras reveladas porque estão muitíssimo apegados aos prazeres sensuais e ao materialismo grosseiro. Existem também outros que não acreditam na eternidade da vida. Alguns deles propõem que a vida será, afinal, aniquilada e que apenas a energia material é que se conserva. Outros estão menos interessados em leis físicas, mas não crêem em nada além de sua experiência. E ainda outros igualam o espírito à matéria e afirmam que a distinção entre eles é ilusória.

Não há nenhuma dúvida de que os Vedas figuram como os mais reconhecidos compêndios de conhecimento, de todos os pontos de vista. Mas com o passar do tempo o caminho védico tem sido atacado por filósofos, tais como Carvaka, Buddha, Arhat, Kapila, Patanjali, Sankara, Vaikarana, Jaimini, os nyayakas, os vaisesikas, os sagunistas, os empiristas, os pasupata saivas, os saguna saivas, os brahmas, os aryas e muitos outros (a lista de especuladores não-védicos cresce dia a dia sem restrição). O caminho dos Vedas rejeita qualquer princípio desprovido de relacionamento eterno com Deus, obtenção do Seu serviço devocional e culminância em transcendental amor por Ele.