segunda-feira, 13 de maio de 2013

Festival De Cinema Francês 2013

Já virou tradição este blogueiro assistir e comentar sobre o Festival de Cinema Francês. Ano após ano, desde 2010, o público brasileiro foi agraciado com ótimas seleções da recente filmografia francesa, podendo desfrutar de obras de altíssimo nível. E dessa vez não foi diferente. A grande maioria dos filmes assistidos entram, no mínimo, na lista dos recomendados. E não são poucos os que merecem o rótulo de imperdíveis.

Infelizmente, porém, esse ano o festival teve um acúmulo de inconvenientes jamais visto antes na história desse evento anual. Filme cortado (sim, cortado, com sequências inteiras não aparecendo, fragmentando abruptamente a obra), filme dessincronizado entre áudio e imagem (palavras do próprio diretor, que compareceu na sessão), sessões praticamente vazias com a ilustre presença dos artistas (testemunhei isso noutros anos e o cenário se repete) e artistas que não compareceram (incluindo a garota-propaganda do festival). De quebra, o Rio de Janeiro, que ano passado teve duas semanas de exibições e ainda uma bela repescagem, dessa vez não contou com mais que uma semaninha em cartaz. Nem assistindo dois filmes por dia o cinéfilo conseguiria dar conta das quinze obras disponíveis. Enfim, muitos erros cometidos mas, mesmo assim, aquele sabor de quero mais. Quero mais tempo, quero mais respeito, essas coisas.
  
Há também tópicos sobre as edições de 2010 (este e mais este), 2011 e 2012 do Festival.

Renoir
Confesso ser um completo ignorante sobre a vida de Pierre-Auguste Renoir. E como o filme dirigido por Gilles Bourdos aborda um curto espaço temporal do artista, além do azar de ter assistido uma exibição defeituosa (com cenas e sequências que não foram apresentadas no cinema Odeon Petrobras), teoricamente seria um ingresso jogado no lixo. Só que não. A delicadeza da filmagem, a exuberante fotografia, a atuação magistral de Michel Bouquet (87 anos de idade e uma performance tão precisa que parece que ele e o pintor são uma pessoa só), além da beleza estonteante de Christa Theret (a musa do artista) são ingredientes que engrandecem esse belo filme. Pretendo assistir novamente, pois se já foi emocionante acompanhar a história entrecortada por problemas técnicos, creio que vê-la na íntegra será ainda melhor. Também teria sido ainda melhor se os artistas convidados tivessem comparecido, embora eles merecessem uma sala lotada e uma exibição correta.

Adeus, Minha Rainha
Uma ousada reconstrução dos últimos dias de Maria Antonieta no trono, sob uma ótica que jamais tinha visto na história da retratação da Tomada da Bastilha. O diretor Benoît Jacquot conseguiu fazer uma sólida narrativa que colocou a leitora da rainha (a belíssima Léa Seydoux) como protagonista numa obra que polemiza ao supôr uma relação homoafetiva entre Maria Antonieta (Diane Kruger) e sua grande amiga Gabrielle de Polignac (Virginie Ledoyen). Além de ser um retrato de época muito bem realizado e proporcionar uma forte mensagem sobre o conceito de fidelidade, o filme também vale pela beleza feminina daquelas três. Um final capaz de arrancar lágrimas, um trio capaz de arrancar suspiros.

Anos Incríveis

Com um ótimo tempo de comédia, Michel Leclerc foi muito feliz ao tratar de temáticas polêmicas permeadas pelo bom humor. A história corre com um dinamismo marcante, com ótimas sacadas que vão ajudando a manter o filme interessante, embora possam haver algumas cenas desnecessárias. As críticas à sociedade capitalista e à mídia golpista não eliminam uma reflexão sobre os ideais revolucionários socialistas, onde a grande conexão entre uma coisa e outra é cada risada que é proporcionada ao espectador. Comédia com cê maiúsculo mesmo. Achei particularmente muito bacana rever a atriz Maiwenn, que esteve ótima em Polissia (Festival de Cinema Francês 2012) fazendo uma personagem também ativista pelos direitos humanos, mas com uma personalidade um tanto distinta desta em Anos Incríveis. Ah! Fica comprovado que a combinação Michel Leclerc + Sara Forestier + Revolução = boa comédia. Palavras de quem assistiu Os Nomes Do Amor (Festival de Cinema Francês 2011).

Camille Claudel 1915

Filmaço. Os elogios feitos ao diretor Bruno Dumont após assistir Hadewijch mostram que o blogueiro não estava sendo precipitado: é, sim, um dos grandes diretores do cinema atual. O andamento lento do filme é na medida certa para retratar o drama de Camille Claudel (na pele da ótima Juliette Binoche). Há na obra uma virtude louvável de passar mensagens e reflexões com tamanho vigor e sutileza que é como se não pudéssemos escapar à nossa própria consciência - mérito de todos os envolvidos com direção, roteiro, fotografia, atuação etc. A cena final com as legendas retratando a biografia do que aconteceria com a protagonista é alguma coisa arrebatadora, de fazer reduzir o estoque líquido armazenado no aparelho lacrimal. De novo: filmaço.

O Homem Que Ri
De uma sacada genial os perfis dos três personagens que conduzem o filme. Do homem de semblante amargo mas que parece sempre sorrir (vivido por Marc-André Grondin) à mulher cega mas que tudo parece enxergar (Christa Theret, aquela que faz a musa de Renoir), passando pelo filósofo encarnado por Gérard Depardieu, são muitos os elementos que colocam em xeque as sociedades humanas, não faltando argumentos para questionar a ética monárquica, cristã e a própria conduta individual. Muitas vezes caminha para o clichê, mas mensagens dessa natureza são sempre bem-vindas, assim como este filme dirigido por Jean-Pierre Améris também o é. Diria que a obra completa é muito melhor do que o trêiler pode sugerir (e olha que assisti ele umas três vezes).

Aconteceu Em Saint-Tropez

Para quem gosta de um filme onde simplesmente não há como definir onde começa e onde termina a tríplice fronteira entre o drama, a comédia e o romance, eis uma obra cinematográfica daquelas imperdíveis. O conflito familiar em torno de dois irmãos cheios de diferenças consegue conciliar o que muitos suporiam impossível, com a capacidade de preencher até o supostamente trágico com altas possibilidades de risadas. Falando em risada, o pai dos irmãos protagonistas é a garantia certa. E pra quem identificar a semelhança física dele com o Roberto Carlos (aquele indivíduo que comete algumas canções), as coisas podem ficar ainda mais cômicas. E pra quem acredita que tudo está bem quando termina bem, o negócio é relaxar e curtir o muito bem dirigido filme de Danièle Thompson.

O Menino Da Floresta

Os brutos também amam. Esta frase talvez seja a síntese da animação dirigida por Jean-Christophe Dessaint. Para o público acostumado aos filmes produzidos pelos estúdios Pixar, é possível que O Menino Da Floresta pareça superficial demais. Mas acredito haver neste filme muito mais coisa oculta do que propriamente explícita. A amizade construída entre o pequeno selvagem e a simpática Manon, além de reflexões em torno do quanto a nossa personalidade é moldada pela forma como somos educados por nossos pais (e como há momentos em que a desobediência é a única alternativa ética) são alguns dos ingredientes que compõem um filme que tem na simplicidade da leitura uma de suas maiores virtudes.

Prenda-me
Diferente de tudo o que já vi, essa foi provavelmente a história mais genial (ou, pelo menos, original) que assisti no Festival de Cinema Francês 2013. E a genialidade (ou, pelo menos, originalidade) gira em torno de algo relativamente simples, só que absolutamente incomum: a autora de um dito crime perfeito resolve assumir, anos depois, a autoria do assassinato do seu marido (até então visto como suicida). Mas o que torna esse filme imperdível transcende esse ato em si, pois o grande barato está em observar as nuances que levam a mãe de família à delegacia e a delegada ao perdão. Destaque também para a técnica de filmagem onde a câmera filma em primeira pessoa, fazendo o espectador enxergar com os olhos da protagonista (grande sacada!). Conceitos de liberdade e prisão transitam filosoficamente de maneira a repensarmos o que é, em essência, estar livre. Sophie Marceau e Miou-Miou estão ótimas em seus papéis, mas talvez nem precisassem: Jean Paul-Lilienfeld dirige algo tão brilhante que é como se a história em si já se bastasse. Mas vá lá, as duas estão realmente muito bem (sem esquecer do altamente convincente Marc Barbé). E você não pode deixar de assistir. Do contrário, estará preso.

Ferrugem E Osso
Aquele que teve a oportunidade de assistir o pesadíssimo O Profeta e associou o filme ao nome do diretor já deve ter ido ao cinema "preparado" para acompanhar o mais novo filme de Jacques Audiard. Pesado, de novo. Talvez não tanto quanto aquele, mas, como bem definiu minha mãe: visceral (e olha que ela só assistiu o anterior, mostrando que tem os dez dedos do diretor nessa arte de fazer filmes marcantes). A personalidade de Ali (Matthias Schoenaerts, absolutamente excepcional) e a química dele com os demais personagens (sobretudo a Stéphanie vivida magistralmente por Marion Cotillard) é uma coisa de louco. E, assim sendo, muito se deve às ótimas atuações destes e de todo o elenco em geral. Só que faço questão de exaltar também o genial Audiard, que dirige, produz e faz o roteiro de maneira a beirar a perfeição. Com intensidade e sensibilidade até dizer chega, Ferrugem E Osso é um filme para ficar para sempre na memória. E a cena do pai querendo salvar o filho no gelo me dá arrepios só de digitar... Assista. Mas vá "preparado".