quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Pré-Apuração Carnaval 2016

Saudações carnavalescas.

Tive a alegria de conseguir assistir, domingo no setor 10 e segunda-feira no setor 3, os desfiles das escolas de samba no Grupo Especial do Rio de Janeiro. Após a passagem da Portela de Paulo Barros, não suportei mais que alguns minutos da Imperatriz (sertanejamente) Leopoldinense e tomei o rumo de casa, sentindo que já havia assistido o melhor desfile do ano. E consegui acompanhar a Mangueira, no conforto de casa, em uma bela homenagem a Maria Bethânia.

Vou, então, fazer uma síntese dos desfiles. Achei que nesse ano houve pelo menos três destaques positivos, que foram as alas das baianas (algumas delas dignas de premiações), os refrões dos sambas, que não raramente contagiavam pela força (embora nem todos tenham rendido o máximo que poderiam) e as comissões de frente. "É o ano do cavalo", como disse mamãe. Diversas escolas trouxeram o simpático quadrúpede em algum momento do desfile, sendo que duas delas deram protagonismo ao animal eqüino em suas comissões.

Domingo

O lindo cavalo branco roubou a cena no desfile da Estácio.
A Estácio de Sá fez um dos melhores desfiles de abertura dos últimos anos. Os primeiros setores da escola estavam dignos de escola que passa pela Sapucaí para ser campeã. Uma das mais belas comissões de frente do ano, um abre-alas imponente e tudo isso ao som de uma bateria que arrepiou em sua performance, com direito a bossas criativas e também coreografias. A ala das baianas também merece elogios, com um colorido e leveza encantadores.

Porém, a agremiação do morro de São Carlos não conseguiu manter o alto nível estético do início da apresentação durante todo o desfile. Se isso tivesse ocorrido, estimo que São Jorge poderia até conduzir a Estácio para uma posição entre as 6 primeiras, garantindo um lugar no sábado das campeãs. Como não ocorreu, fica a expectativa para que o Berço do Samba consiga, pelo menos, permanecer no Grupo Especial. Na minha opinião, a Estácio merece.

1º casal da Ilha chamou atenção pela maquiagem caprichada.
Depois da Estácio, foi a vez da União da Ilha se apresentar. O enredo olímpico conseguiu trazer alguns momentos interessantes, conseguindo fugir um pouco da mesmice que costuma cercar o tema. A comissão de frente foi uma aula de superação e abriu muito bem a passagem da agremiação insulana, a exemplo do belo carro abre-alas, que trouxe os deuses do Olimpo e as medalhas olímpicas.

Entre a exuberante caracterização do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, o dourado das baianas, a bateria tricolor de mestre Ciça e todo o empenho de Ito Melodia para salvar um samba entre os mais fracos da safra, é fato que a Ilha mostrou força. Mas não consigo vislumbrar uma posição melhor que a do ano passado, quando os insulanos amargaram a nona colocação.

Final azul no dourado desfile da Beija-Flor.
Na seqüência, entrou a sempre favorita ao título Beija-Flor de Nilópolis. Com um enredo sobre Marquês de Sapucaí, a Deusa da Passarela optou por dar ênfase ao ouro, fazendo a apresentação mais dourada que eu tenha lembrança de ter assistido. Alegorias ricas em detalhe, com um acabamento que contrastava aos das escolas que a antecederam, dando a entender que "crise" é uma palavra que não faz parte do vocabulário da escola.

Neguinho conduziu o samba com sua habitual maestria e, se por um lado o enredo parece deixar brechas, por outro é inegável que a parte estética da escola a credencia a sonhar com mais uma conquista. Em termos de emoção, essa se limitou à excepcional comissão de frente.

Baianas azulejadas da Grande Rio.
Quarta escola a desfilar, a Acadêmicos do Grande Rio trouxe Santos como enredo. E cravo aqui: foi a maior decepção do carnaval 2016. Não que houvesse necessariamente muitas expectativas de minha parte em torno da temática escolhida pela escola de Duque de Caxias, mas depois de ver trabalhos de alto nível do carnavalesco Fábio Ricardo, imaginei que viesse algo muito melhor do que aquilo que se apresentou no sambódromo. Santos levou de 7a1 de Maricá.

Podemos destacar no desfile caxiense: (1) a comissão de frente, que novamente apostou em truques (marca registrada da dupla de coreógrafos que assinou comissões da Tijuca com Paulo Barros e que fazia sua segunda exibição na Tricolor); (2) a bateria de mestre Thiago Diogo, que esbanjou segurança e cadência; e (3) as baianas, que vieram de azulejos. Houve ainda alguns outros momentos interessantes, mas o conjunto da obra foi bastante abaixo daquilo que se espera de um dos carnavalescos mais promissores dessa geração.

Cavalo se destacou na versátil comissão da Mocidade.
A Mocidade Independente de Padre Miguel veio gigantesca. É animador ver a estrela-guia se fortalecendo após anos tenebrosos num passado recente. Não que o desfile sobre Dom Quixote traga expectativas de colocar um ponto final nos vinte anos sem títulos, longe disso, mas acende a chama da esperança de que a Gigante da Zona Oeste esteja trilhando o caminho que a reconduzirá aos anos de glórias.

Desde a impactante comissão de frente até o gigantismo das alegorias, passando pelo bom gosto nas fantasias, há muito o que celebrar no desfile da Mocidade. Porém, houve erros que tendem a manter a agremiação novamente fora dos desfiles das campeãs: o quesito evolução foi explicitamente problemático, com direito a correria de diversas alas no último módulo de julgamento. Além disso, algumas alegorias apresentaram imperfeições no acabamento. Talvez seja fruto do fato da escola ainda não estar preparada para a grandeza a qual pertence por natureza.

Estou muito curioso de como será a avaliação da bateria e do samba-enredo. Dudu trouxe uma cadência firme, apontando uma identidade para a Não Existe Mais Quente, enquanto Bruno Ribas encaixou uma interpretação melódica que permitiu esse casamento.

Detalhe do belíssimo e monocromático abre-alas da Tijuca.
Fechando a noite de domingo, a Unidos da Tijuca cantou a agricultura e a pecuária trazendo uma estética interessante e um samba dos mais poéticos da safra. Fez muito mais que o suficiente para retornar no sábado das campeãs. Conseguiu passar o enredo com emoção, o que aumenta o mérito da comissão de carnaval. Como nem tudo são flores - e aqui vai muito mais uma opinião pessoal deste blogueiro -, a abordagem tijucana exaltando o agronegócio acaba prestando um desserviço à nação. Enquanto a Vila, campeã de 2013, preferiu dar ênfase ao homem do campo enquanto agricultor familiar, a escola do Borel, três anos depois, trouxe um viés ideológico da monocultura, do defensivo agrícola, chamando insetos de "pragas". Deve ter sido a pressão do patrocínio. Lamentável.

De toda forma, com muitos quesitos fortes, há a possibilidade real de a Tijuca conseguir melhorar a quarta colocação do ano passado. A bateria de mestre Casagrande, de novo e novamente, foi espetacular. E a ala das baianas, de ipê roxo, foi possivelmente a mais bela na noite de domingo.

Segunda-feira

O galo da madrugada misturou os carnavais e coloriu a Vila.
Trazendo um samba difícil, mas que funcionou bem (salve, Igor Sorriso!), a Vila Isabel abriu a segunda noite de desfiles com um desfile de superação. Ficou evidente que a agremiação estava com um orçamento reduzido em relação a muitas das que desfilaram domingo, mas não faltou disposição da comunidade para apresentar o enredo homenageando Miguel Arraes.

Com dignidade e amor, a escola de Noel Rosa conseguiu se equilibrar sobre palafitas e passou sua mensagem na avenida. Houve momentos bonitos na passagem da agremiação, mas confesso esperar (muito) mais de alguém do talento do Alex de Souza. A Vila deve ter feito o suficiente para manter-se no Grupo Especial, possivelmente melhorando a décima primeira posição de 2015. Mas é pouco para aquela que vinha se acostumando a colecionar grandes apresentações, ora ganhando o carnaval, ora chegando perto do título. A Vila precisa e merece sair da seca.

Quem dá as cartas é o Salgueiro, pode apostar.
Segunda escola a desfilar na segunda-feira e atual segunda colocada no carnaval carioca, a Acadêmicos do Salgueiro trouxe a malandragem como enredo. Foi o samba mais entoado de todos que presenciei. Se "energia" fosse quesito, a vermelho-e-branco teria gabaritado com folgas. Vibrante no chão e nas arquibancadas, com uma estética digna de Renato Lage e com uma fácil leitura da mensagem, a Academia do Samba estará, mais uma vez, disputando o título na apuração. Se vai levar, é outra conversa. Mas, disputará.

Entre tantos pontos fortes, destacaria a comissão de frente, a deslumbrante ala das baianas e a sempre empolgante bateria de mestre Marcão, que veio fantasiada com ternos cor de rosa, em homenagem a um travesti da Lapa. Felizmente, não houve uso de pombas, evitando a repetição da tragédia vista no ensaio técnico. Provavelmente, a última alegoria seria o local onde se instalaria o caos.

O belo colorido no abre-alas da São Clemente.
Na seqüência, foi a vez da São Clemente de Rosa Magalhães brincar o carnaval. Brincar no sentido mais irreverente da coisa, pois o enredo sobre palhaços foi isso: uma brincadeira. Às vezes de conotação mais séria, ao ponto de bater panela em referência a manifestações impitimeiras de motivações fundamentalmente direitistas. Ficou a dúvida se a agremiação da Zona Sul chamou o paneleiro de palhaço ou se apoiou o movimento político-partidário.

Pelo sim, pelo não, a São Clemente passou bem. Poderia haver maior criatividade, como disse minha irmã durante o desfile - estou de acordo. Mas o bom gosto nas fantasias e alegorias conseguiu manter um nível interessante durante todo o transcorrer dos acontecimentos. A cereja no topo do bolo foi a performance da bateria, possivelmente a melhor da segunda-feira. Dificilmente a escola conseguirá repetir o oitavo lugar do ano passado, mas sua apresentação deverá mantê-la em segurança no Grupo Especial.

O gigante está desperto.
Diferente de todas as outras, esbanjando criatividade e ovacionada pelo público. Essa foi a Portela, que foi agraciada pelo carnavalesco Paulo Barros com um desfile arrebatador. O portelense lavou a alma na Sapucaí e certamente aguarda com ansiedade a leitura das notas na expectativa de sair da longa fila de espera por um novo título.

É inviável destacar um ou outro setor da escola. Desde a comissão de frente até a última alegoria, passando pelas baianas hipnóticas, foram muitos os segmentos elogiáveis. Alguns deles, para marcar o carnaval. Dificilmente alguém conseguirá esquecer dos dinossauros capturando as arqueólogas na floresta. Ou do Gulliver levantando-se imponente (imagem ao lado). Teve até aterrissagem de nave espacial. Enfim, um desfile para relembrar, independentemente do resultado. O mundo que Paulo criou conseguiu transformar o tradicional em vanguardista sem rompimentos traumáticos, apenas mesclando e incorporando. Como se fosse fácil. Talvez seja. Afinal, no mundo dos gênios, tudo é possível.

Após a passagem da Portela, veio a Imperatriz. Zezé di Camargo e Luciano foi/foram (é no singular ou no plural?) um convite (ou dois?) a tomar o rumo de casa. Então, não fico à vontade para julgar o desfile da agremiação, pois a acompanhei apenas até o início do segundo setor. Em seguida, apresentou-se a Mangueira. Rejuvenescida e praticamente reinventada, a Estação Primeira ressurgiu na ótima homenagem a Maria Bethânia. Como acompanhei pela transmissão da emissora hegemônica que a cada ano parece se superar na capacidade de passar o irrelevante e omitir o essencial, também não fico à vontade para fazer maiores avaliações. Só que ficou evidente o quanto a Manga evoluiu do ano passado para este. Tenho forte convicção que isso irá se refletir na apuração.