Tive a alegria de conseguir assistir, domingo no setor 10 e segunda-feira no setor 3, os desfiles das escolas de samba no Grupo Especial do Rio de Janeiro. Após a passagem da Portela de Paulo Barros, não suportei mais que alguns minutos da Imperatriz (sertanejamente) Leopoldinense e tomei o rumo de casa, sentindo que já havia assistido o melhor desfile do ano. E consegui acompanhar a Mangueira, no conforto de casa, em uma bela homenagem a Maria Bethânia.
Vou, então, fazer uma síntese dos desfiles. Achei que nesse ano houve pelo menos três destaques positivos, que foram as alas das baianas (algumas delas dignas de premiações), os refrões dos sambas, que não raramente contagiavam pela força (embora nem todos tenham rendido o máximo que poderiam) e as comissões de frente. "É o ano do cavalo", como disse mamãe. Diversas escolas trouxeram o simpático quadrúpede em algum momento do desfile, sendo que duas delas deram protagonismo ao animal eqüino em suas comissões.
Domingo
O lindo cavalo branco roubou a cena no desfile da Estácio. |
Porém, a agremiação do morro de São Carlos não conseguiu manter o alto nível estético do início da apresentação durante todo o desfile. Se isso tivesse ocorrido, estimo que São Jorge poderia até conduzir a Estácio para uma posição entre as 6 primeiras, garantindo um lugar no sábado das campeãs. Como não ocorreu, fica a expectativa para que o Berço do Samba consiga, pelo menos, permanecer no Grupo Especial. Na minha opinião, a Estácio merece.
1º casal da Ilha chamou atenção pela maquiagem caprichada. |
Entre a exuberante caracterização do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, o dourado das baianas, a bateria tricolor de mestre Ciça e todo o empenho de Ito Melodia para salvar um samba entre os mais fracos da safra, é fato que a Ilha mostrou força. Mas não consigo vislumbrar uma posição melhor que a do ano passado, quando os insulanos amargaram a nona colocação.
Final azul no dourado desfile da Beija-Flor. |
Neguinho conduziu o samba com sua habitual maestria e, se por um lado o enredo parece deixar brechas, por outro é inegável que a parte estética da escola a credencia a sonhar com mais uma conquista. Em termos de emoção, essa se limitou à excepcional comissão de frente.
Baianas azulejadas da Grande Rio. |
Podemos destacar no desfile caxiense: (1) a comissão de frente, que novamente apostou em truques (marca registrada da dupla de coreógrafos que assinou comissões da Tijuca com Paulo Barros e que fazia sua segunda exibição na Tricolor); (2) a bateria de mestre Thiago Diogo, que esbanjou segurança e cadência; e (3) as baianas, que vieram de azulejos. Houve ainda alguns outros momentos interessantes, mas o conjunto da obra foi bastante abaixo daquilo que se espera de um dos carnavalescos mais promissores dessa geração.
Cavalo se destacou na versátil comissão da Mocidade. |
Desde a impactante comissão de frente até o gigantismo das alegorias, passando pelo bom gosto nas fantasias, há muito o que celebrar no desfile da Mocidade. Porém, houve erros que tendem a manter a agremiação novamente fora dos desfiles das campeãs: o quesito evolução foi explicitamente problemático, com direito a correria de diversas alas no último módulo de julgamento. Além disso, algumas alegorias apresentaram imperfeições no acabamento. Talvez seja fruto do fato da escola ainda não estar preparada para a grandeza a qual pertence por natureza.
Estou muito curioso de como será a avaliação da bateria e do samba-enredo. Dudu trouxe uma cadência firme, apontando uma identidade para a Não Existe Mais Quente, enquanto Bruno Ribas encaixou uma interpretação melódica que permitiu esse casamento.
Detalhe do belíssimo e monocromático abre-alas da Tijuca. |
De toda forma, com muitos quesitos fortes, há a possibilidade real de a Tijuca conseguir melhorar a quarta colocação do ano passado. A bateria de mestre Casagrande, de novo e novamente, foi espetacular. E a ala das baianas, de ipê roxo, foi possivelmente a mais bela na noite de domingo.
Segunda-feira
O galo da madrugada misturou os carnavais e coloriu a Vila. |
Com dignidade e amor, a escola de Noel Rosa conseguiu se equilibrar sobre palafitas e passou sua mensagem na avenida. Houve momentos bonitos na passagem da agremiação, mas confesso esperar (muito) mais de alguém do talento do Alex de Souza. A Vila deve ter feito o suficiente para manter-se no Grupo Especial, possivelmente melhorando a décima primeira posição de 2015. Mas é pouco para aquela que vinha se acostumando a colecionar grandes apresentações, ora ganhando o carnaval, ora chegando perto do título. A Vila precisa e merece sair da seca.
Quem dá as cartas é o Salgueiro, pode apostar. |
Entre tantos pontos fortes, destacaria a comissão de frente, a deslumbrante ala das baianas e a sempre empolgante bateria de mestre Marcão, que veio fantasiada com ternos cor de rosa, em homenagem a um travesti da Lapa. Felizmente, não houve uso de pombas, evitando a repetição da tragédia vista no ensaio técnico. Provavelmente, a última alegoria seria o local onde se instalaria o caos.
O belo colorido no abre-alas da São Clemente. |
Pelo sim, pelo não, a São Clemente passou bem. Poderia haver maior criatividade, como disse minha irmã durante o desfile - estou de acordo. Mas o bom gosto nas fantasias e alegorias conseguiu manter um nível interessante durante todo o transcorrer dos acontecimentos. A cereja no topo do bolo foi a performance da bateria, possivelmente a melhor da segunda-feira. Dificilmente a escola conseguirá repetir o oitavo lugar do ano passado, mas sua apresentação deverá mantê-la em segurança no Grupo Especial.
O gigante está desperto. |
É inviável destacar um ou outro setor da escola. Desde a comissão de frente até a última alegoria, passando pelas baianas hipnóticas, foram muitos os segmentos elogiáveis. Alguns deles, para marcar o carnaval. Dificilmente alguém conseguirá esquecer dos dinossauros capturando as arqueólogas na floresta. Ou do Gulliver levantando-se imponente (imagem ao lado). Teve até aterrissagem de nave espacial. Enfim, um desfile para relembrar, independentemente do resultado. O mundo que Paulo criou conseguiu transformar o tradicional em vanguardista sem rompimentos traumáticos, apenas mesclando e incorporando. Como se fosse fácil. Talvez seja. Afinal, no mundo dos gênios, tudo é possível.
Após a passagem da Portela, veio a Imperatriz. Zezé di Camargo e Luciano foi/foram (é no singular ou no plural?) um convite (ou dois?) a tomar o rumo de casa. Então, não fico à vontade para julgar o desfile da agremiação, pois a acompanhei apenas até o início do segundo setor. Em seguida, apresentou-se a Mangueira. Rejuvenescida e praticamente reinventada, a Estação Primeira ressurgiu na ótima homenagem a Maria Bethânia. Como acompanhei pela transmissão da emissora hegemônica que a cada ano parece se superar na capacidade de passar o irrelevante e omitir o essencial, também não fico à vontade para fazer maiores avaliações. Só que ficou evidente o quanto a Manga evoluiu do ano passado para este. Tenho forte convicção que isso irá se refletir na apuração.