sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Breves Reflexões Em Tempo De Eleições - Brasil, 2018


“A esquerda está dividida e isso pode abrir caminho para o fascismo”.

Li frases idênticas, parecidas ou análogas a essa de diversas fontes.

Hoje, olho para aquela afirmação de maneira mais relativista. Talvez a esquerda não esteja dividida. Talvez a esquerda, no Brasil, seja apenas algo em torno de 1% da população.

Antes de mais nada, é importante diferenciar o que é se declarar de esquerda e o que é, de fato, ser de esquerda (algo que não precisa de declaração, basta apenas ser). Uma abordagem interessante é trazida por Barry Clark: 


“o desenvolvimento humano floresce quando os indivíduos se envolvem em relações de cooperação, de respeito mútuo que podem prosperar somente quando as diferenças excessivas de status, poder e riqueza são eliminadas. De acordo com os esquerdistas, uma sociedade sem igualdade substancial irá distorcer o desenvolvimento não só de pessoas depravadas, mas também daqueles cujos privilégios minam sua motivação e sentido de responsabilidade social. Esta supressão do desenvolvimento humano, em conjunto com o ressentimento e o conflito gerado por diferenças afiadas de classe, acabarão por reduzir a eficiência da economia”.


Hoje, no Brasil existem apenas duas candidaturas de esquerda. Uma que podemos adjetivar de moderada e uma que daria para chamar de radical (no sentido de “esquerda raiz”). Todas as outras ditas candidaturas de esquerda são, na mais sinistra das hipóteses, centristas. O centro do jeito que a direita moderada gosta. Ou, pelo menos, tolera. E são exatamente essas as candidaturas com razoáveis chances matemáticas de irem ao segundo turno contra (ou seria com?) a direita menos moderada.

Reforma agrária, por exemplo, é um tema clássico para definir o espectro esquerdista. Nunca uma chapa que comporte uma pessoa que afirma não haver latifúndio no Brasil poderá ser considerada de esquerda. A questão agrária brasileira é uma tragédia do ponto de vista da exclusão social e da degradação ambiental. Não confrontar essa lógica seria se comprometer a manter dezenas de milhões de pessoas alijadas do acesso à terra.

O fato é que a cada quatro anos temos a oportunidade de mudar radicalmente, seja a realidade agrária, seja a urbana. Porém, o sistema inibe a viabilidade dessa possibilidade de mudança – seja em função do desigual tempo de televisão, seja pelo aterrador conceito de “voto útil”. No fim, as urnas eletrônicas acabam refletindo que ou temos medo da mudança ou estamos acomodados numa zona de pseudo conforto.

Infelizmente, a mínima parcela de satisfeitos é a mesma parcela que faz a narrativa hegemônica sobre quais são “as reformas que o Brasil precisa”. Isso prova o perigo que é um país ter os meios de comunicação de massa concentrados nas mãos de poucos - e todos muito ricos. Talvez seja essa narrativa hegemônica que esteja abrindo caminho para o fascismo...

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Tiffany, Esporte, Transfobia - Quando A Bola Está Com Todos Nós

A transexualidade - situação de um indivíduo que identifica seu gênero de forma diversa à sua condição biológica de nascimento - está em pauta no âmbito esportivo.

Felizmente, hoje compreendemos que transexualidade não é uma questão de transtorno mental (a própria OMS está de acordo). Assim sendo, identificar-se com um outro gênero merece ser encarado com a naturalidade de tantas outras decisões identitárias que permeiam a vida de um indivíduo.

Rodrigo se via mulher. E assim fez-se Tiffany. Uma brasileira, jogadora de vôlei desde os tempos de Rodrigo, que fez a transição de gênero e de competição, passando do masculino para o feminino. E é aí que começa a pauta no âmbito esportivo.

Tiffany vem apresentando rendimento destacável na Superliga Feminina de Vôlei. Desempenho que chama a atenção pelas estatísticas e que colocou no Brasil um debate inédito em torno da questão trans: é justo que Tiffany atue competitivamente com as outras mulheres?

Acredito que se o desempenho de Tiffany fosse fraco (ou não atravessasse muito a fronteira do razoável), essa questão jamais entraria em discussão. Estaríamos nesse momento reproduzindo o doce discurso de que o esporte é democrático, de que o esporte abraça, de que o esporte tem um importante papel de incluir socialmente, de que no esporte não deve haver espaço para o preconceito. Etcétera.

Só que não. Tiffany, em apenas três jogos pelo Bauru, já superara Tandara (jogadora da seleção brasileira na modalidade) e assumira, na média por set, a liderança entre todas as pontuadoras na Superliga. Com isso, vem o debate. É justo?




Primeiramente, devemos considerar que o vôlei enquanto competição não inclui uma atleta trans automaticamente. São realizadas exigências - inclusive hormonais - para dar aptidão à atleta. Tiffany cumpriu cada um desses requisitos regulamentados. Então, sim, é justo.

O que pode desdobrar dessa discussão é se deve haver alguma reformatação no regulamento. Talvez fosse tema mais específico para fisiologistas esportivos. Dá debate.

Independentemente de para onde avance a discussão em torno da presença de atletas transexuais no esporte em geral e no vôlei em particular, é de fundamental importância observar a realidade do mundo de hoje. Um mundo que herdamos de gerações passadas e que deixaremos como herança para gerações futuras. Um mundo que, há menos de dois séculos, mantinha pretos em senzalas como propriedades de brancos. Que, há algumas décadas, negava direitos de voto às mulheres. Que, hoje, questiona a presença de transexuais no âmbito esportivo.

Quando Pierre de Frédy (vulgo Barão de Coubertin) declarou que mais importante que vencer é competir, esse pensamento foi maciçamente transformado em um sinônimo do "espírito esportivo". Tiffany, antes de ser uma ótima competidora na Superliga Feminina de Vôlei, é uma vencedora na vida. Resistiu em meio ao preconceito para chegar onde chegou. O mínimo que podemos fazer por ela é manter as portas abertas. E, para evitar que eventualmente ocorram distorções na competitividade, aperfeiçoar os mecanismos de inclusão. Mas, jamais, deixar qualquer indivíduo - transexual ou não - à margem pelo simples fato de ser quem é.