quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Tiffany, Esporte, Transfobia - Quando A Bola Está Com Todos Nós

A transexualidade - situação de um indivíduo que identifica seu gênero de forma diversa à sua condição biológica de nascimento - está em pauta no âmbito esportivo.

Felizmente, hoje compreendemos que transexualidade não é uma questão de transtorno mental (a própria OMS está de acordo). Assim sendo, identificar-se com um outro gênero merece ser encarado com a naturalidade de tantas outras decisões identitárias que permeiam a vida de um indivíduo.

Rodrigo se via mulher. E assim fez-se Tiffany. Uma brasileira, jogadora de vôlei desde os tempos de Rodrigo, que fez a transição de gênero e de competição, passando do masculino para o feminino. E é aí que começa a pauta no âmbito esportivo.

Tiffany vem apresentando rendimento destacável na Superliga Feminina de Vôlei. Desempenho que chama a atenção pelas estatísticas e que colocou no Brasil um debate inédito em torno da questão trans: é justo que Tiffany atue competitivamente com as outras mulheres?

Acredito que se o desempenho de Tiffany fosse fraco (ou não atravessasse muito a fronteira do razoável), essa questão jamais entraria em discussão. Estaríamos nesse momento reproduzindo o doce discurso de que o esporte é democrático, de que o esporte abraça, de que o esporte tem um importante papel de incluir socialmente, de que no esporte não deve haver espaço para o preconceito. Etcétera.

Só que não. Tiffany, em apenas três jogos pelo Bauru, já superara Tandara (jogadora da seleção brasileira na modalidade) e assumira, na média por set, a liderança entre todas as pontuadoras na Superliga. Com isso, vem o debate. É justo?




Primeiramente, devemos considerar que o vôlei enquanto competição não inclui uma atleta trans automaticamente. São realizadas exigências - inclusive hormonais - para dar aptidão à atleta. Tiffany cumpriu cada um desses requisitos regulamentados. Então, sim, é justo.

O que pode desdobrar dessa discussão é se deve haver alguma reformatação no regulamento. Talvez fosse tema mais específico para fisiologistas esportivos. Dá debate.

Independentemente de para onde avance a discussão em torno da presença de atletas transexuais no esporte em geral e no vôlei em particular, é de fundamental importância observar a realidade do mundo de hoje. Um mundo que herdamos de gerações passadas e que deixaremos como herança para gerações futuras. Um mundo que, há menos de dois séculos, mantinha pretos em senzalas como propriedades de brancos. Que, há algumas décadas, negava direitos de voto às mulheres. Que, hoje, questiona a presença de transexuais no âmbito esportivo.

Quando Pierre de Frédy (vulgo Barão de Coubertin) declarou que mais importante que vencer é competir, esse pensamento foi maciçamente transformado em um sinônimo do "espírito esportivo". Tiffany, antes de ser uma ótima competidora na Superliga Feminina de Vôlei, é uma vencedora na vida. Resistiu em meio ao preconceito para chegar onde chegou. O mínimo que podemos fazer por ela é manter as portas abertas. E, para evitar que eventualmente ocorram distorções na competitividade, aperfeiçoar os mecanismos de inclusão. Mas, jamais, deixar qualquer indivíduo - transexual ou não - à margem pelo simples fato de ser quem é.