domingo, 25 de março de 2012

Sobre O Jejum

Muitos afirmam que há maior credibilidade no discurso de uma pessoa que tenha vivenciado aquilo que esteja abordando. Concordo, mas não acho que a experiência seja requisito obrigatório para se analisar o que quer que seja. Por exemplo: é necessário que um comentarista esportivo seja um craque na modalidade por ele analisada? É necessário que um indivíduo tenha se tornado um viciado em entorpecentes para afirmar que o consumo de drogas é degradante ao usuário? Provavelmente, você respondeu "não" para ambas as indagações.

De toda forma, devemos reconhecer que há maior impacto quando vemos que quem está falando, de alguma forma, tem alguma ligação com aquilo que é dito (ligação esta que é reforçada pela experiência, mas que não se limita a ela). E o tema que tratamos aqui é o jejum. Tema esse que iremos observar do ponto de vista teórico e, com a ajuda da experiência deste que vos digita, também do ponto de vista prático. O que seria o jejum? Por que fazê-lo? Como fazê-lo? Quando fazê-lo?

O que é o jejum

Numa definição bem básica (disponível na Wikipédia), o jejum consiste na opção do indivíduo em reduzir ou até mesmo eliminar a ingestão de alimentos, geralmente por um período de tempo pré-determinado. Particularmente, acho essa definição um pouco problemática, pois acho que reduzir o consumo alimentício está mais para "dieta" do que para jejum. No meu entendimento, jejuar é cessar o consumo por completo.

Analogamente, a noção de jejum é freqüentemente utilizada no jornalismo esportivo: "time está num jejum de vitórias há sete rodadas no campeonato". Isso indica que o time ganhou poucas vezes nas últimas sete rodadas ou que simplesmente não somou nenhuma vitória nesse período? Se você pensou na segunda opção, é sinal que pensa de modo semelhante a mim. Portanto, jejum seria o zero de consumo. 


Motivos para jejuar

São diversas as razões que levam alguém a praticar o jejum. Entre elas, me identifico com algumas e vejo outras como repugnantes. Por exemplo, há pessoas que optam por jejuar motivadas meramente pela vaidade (geralmente estética, isto é, buscando "melhorias" na aparência física). Se você entrou nesse tópico com essa motivação, direito seu, mas o foco aqui não é esse. De toda forma, sugiro que continue a leitura.

A busca que me parece a mais usual na prática do jejum é a de ordem espiritual. Escrituras sagradas abordam o jejum apontando para uma transcendentalidade, motivando os adeptos a reservarem dias na semana, no mês ou no ano para essa atividade. Coincidentemente - ou não - estamos nesse exato momento num período no calendário cristão que remete ao histórico jejum de Jesus no deserto, por quarenta dias consecutivos (a Quaresma). Não que os religiosos jejuem como Jesus, muito pelo contrário, o que vemos nas festas das igrejas ao longo do ano mais se assemelham a um incentivo a comilança do que a prática do jejum. Certamente, Jesus não seria um adepto dessas insituições religiosas que o carregam como símbolo e referência.
Ilustração remetendo ao Mestre Jesus de Nazaré, meditativo no deserto: quarenta dias de jejum não é para qualquer um.

De toda forma, retornemos ao jejum como prática espiritual. A idéia de jejuar gira em torno de causar aflição ao corpo, dando, assim, prioridade para a alma. Os judeus, que no Yom Kippur (Dia Do Perdão) ficam por 25 horas em jejum e em oração, têm uma interessante analogia sobre essa relação: o cavalo seria o corpo, e o cavaleiro seria a alma - é sempre melhor o cavaleiro estar acima do cavalo. Quer dizer, particularmente acho que o melhor é que humano e cavalo sigam seus caminhos sem que um explore o outro, em harmonia plena, sem qualquer relação hierárquica. Mas a analogia ajuda a entender a essência do jejum para os judeus.

Mahatma Gandhi, hindu que o filósofo Huberto Rohden classificou como "o maior cristão do século XX", praticou cerca de dezessete jejuns ao longo da vida. Suas motivações eram de ordem espiritual, sem dúvidas, mas com forte conotação político-social. Afinal, mostrar solidariedade com os oprimidos e reivindicar a libertação destes é, fundamentalmente, um ato espiritual.
 "Seja a mudança que você quer ver no mundo", frase de Mahatma Gandhi, que deu ao mundo um exemplo experienciado através de seus próprios atos.

Como jejuar

Acho que não precisa de uma explicação pormenorizada. Bastaria não consumir alimentos e o jejum estaria automaticamente em curso. Mas isso quer dizer que, dormindo, estamos em jejum? Sim e não. Sim, porque nesse período não há a ingestão de alimentos. Não, porque não se trata de um movimento consciente.

Se eu pudesse dar somente dois conselhos a quem pretende praticar o jejum, seriam esses: [1] busque uma motivação nobre para isso e [2] esteja consciente durante o processo, perceba o seu corpo, vigie seus pensamentos e contemple o quão maravilhoso é o auto-conhecimento. Em última análise, a vigilância completa dos pensamentos, palavras e ações é a meditação.

Quando jejuar

Se você chegou até esse ponto no texto, sinal de que as coisas parecem ter caminhado bem. Nas mais variadas religiões, o jejum tem recomendações de acordo com o calendário. Particularmente, não acho que seja necessário seguir uma data rígida - se você sentir que o momento para jejuar e buscar um auto-conhecimento através de uma experiência dessa natureza é o próximo sábado, então prepare-se e faça no próximo sábado, independentemente de que dia seja o próximo sábado. Alguns ativistas jejuam de acordo com o momento político em curso, como por exemplo jejuar em frente a uma sede governamental em protesto contra alguma medida considerada prejudicial para a coletividade - e isso não tem uma data rígida.

Venho jejuando sistematicamente desde 2007 ou 2008 (não recordo exatamente), buscando uma maior percepção dos meus processos internos, bem como diminuir a minha "pegada ecológica", optando geralmente pelo último domingo de cada mês para realizar a prática - sendo essa escolha muito mais uma questão disciplinar para comigo mesmo do que qualquer outra coisa. Às vezes, tenho ciência prévia de que terei algum compromisso no dia que seria o do jejum, e no caso de entender que o compromisso possa afetar a "eficiência" do jejum, constumo antecipar a data (mas isso é bem raro de ocorrer). Ano passado (2011), por exemplo, o último domingo de dezembro foi o Natal de Jesus Cristo. Uma data maravilhosa para jejuar, a qual tive o prazer de manter para o dia 25 de dezembro (até porque abomino essa cultura ocidental de achar que comer animais na ceia seja um ato religioso). Hoje, não por acaso, é o último domingo do mês de março. E cá estou, em jejum há cerca de quinze horas, tentando compartilhar um pouco dessa experiência. E que venham as próximas nove!

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