segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Sobre O Cuidado

O ato de ter cuidado - isto é, tratar ou manejar com precaução - tem grande relevância no mundo em que vivemos. Citarei quatro exemplos básicos.

(1) um médico cirurgião pode, pelo nível de cuidado que tenha perante o paciente, decretar se aquela pessoa submetida à intervenção cirúrgica continuará viva ou não;

(2) um simples diálogo, quando isento de devidos cuidados no uso das palavras ou no próprio tom da fala, pode gerar um mal-entendido de difícil solução;

(3) um governo que não tenha uma política pública que cuide dos mais necessitados pode acentuar a miséria e a pobreza na nação pela qual é responsável;

(4) um empreendimento será tão menos degradante à natureza quanto maiores forem seus cuidados ambientais na sua instalação e processo produtivo.


Podemos perfeitamente atrelar a noção de cuidado com a de responsabilidade. De um médico irresponsável é mais provável esperarmos um ato de negligência do que de cuidado. De um encontro entre dois indivíduos que não se respeitam tudo indica que teremos um diálogo ríspido e ofensivo. De um governo corrupto, omisso com os cidadãos que lhe pagam impostos, dificilmente veremos um zelo adequado para a população menos favorecida. De uma corporação que externaliza os custos socioambientais para internalizar os lucros financeiros seria ingênuo esperar uma postura de cuidado com a sociedade ou a natureza.

Se, ao contrário, em cada um dos exemplos anteriores houvesse uma plena noção de responsabilidade, o cenário seria diametralmente oposto. O médico responsável e cuidadoso não pouparia esforços para ver o paciente plenamente recuperado. O diálogo entre as pessoas que mantém mútuo respeito entre si seria invariavelmente agradável, mesmo que havendo divergência de opiniões. O governo cuidadoso e atento ao cenário vigente não descansaria até minimizar - ou mesmo abolir - qualquer ocorrência de injustiça social. A empresa cuidadosa e responsável jamais contemplaria em seu processo produtivo métodos antiéticos, mesmo que para isso seus lucros financeiros sejam de alguma forma afetados negativamente.

Nós, enqüanto cidadãos e consumidores conscientes, precisamos ter o mesmo cuidado ao fazermos as nossas escolhas. Há muito mais por trás de um produto do que habitualmente paramos para pensar. Se as empresas camuflam o que acontece para que um determinado bem de consumo chegue nas prateleiras dos mercados, precisamos, de nossa parte, nos mantermos vigilantes para que as nossas opções não financiem qualquer evento que atente contra a vida - levando-se em consideração que a vida seja um bem inalienável, mais importante do que qualquer bem material inanimado.


Com uma mão, a guerra. Com a outra, o cuidado com a vida.

Transcrevo a seguir a fábula-mito sobre o cuidado, de Gaius Julius Hyginus, extraído do livro "Saber Cuidar: ética do humano, compaixão pela Terra", de Leonardo Boff.

Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enqüanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.

Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.

Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome.

Enqüanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se então uma discussão generalizada.

De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa:

Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura.

Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.

Mas como Você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.

E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil.



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